Esta é a primeira análise de âmbito marcadamente retro que estou a compor para o ENE3. Pese embora a ausência de uma secção destinada à cobertura de jogos de outras épocas, creio que o interesse e cultura históricos sobre os videojogos motiva e faz-me crer que esta avaliação não estará desprovida de premência.
Gostaria ainda de ressalvar que esta análise é elaborada tendo por base o material devidamente original, sendo que rejeito, por razões compreensíveis, quaisquer considerandos que derivem de outras estruturas que não o suporte fidedigno.
O Rei dos lutadores é um beat’em up de duas dimensões puro e duro. É também o primeiro título de uma série de sucesso que por entre as várias evoluções assistiria à insolvência da empresa criadora, sendo, contudo, retomado pelas mãos da SNK Playmore em títulos mais recentes.
KOF resulta, na sua nomenclatura, de uma conjugação de vários elementos de duas séries existentes até à altura da estreia, nomeadamente Fatal Fury e Art of Fighting. Figuram muitos lutadores, embora em lançamentos posteriores, outras personagens, até de jogos diversos, seriam chamadas a combate.
Fenómeno que resultou na sua enorme popularidade em todo o mundo ficou a dever-se à versão MVS destinada a ser jogada nas arcadas. Através da conversão para a consola caseira Neo Geo AES o jogo manteve cada um dos pormenores reproduzíveis na máquina de salão o que permitiu incrementar o gosto pela versão de sofá.
Mas assim que inserimos o pesado cartucho de 196 megas na consola, algo de inovador para a época emerge: os combates de equipa. Em vez das tradicionais opções de levar somente um lutador à final é dado ao jogador a opção de escolha de uma equipa de lutadores inserida em determinada nacionalidade.
Torna-se de imediato um factor que vem proporcionar maior longevidade aos combates bem como uma gestão acentuada da tática de jogo. Depois de seleccionada a equipa há liberdade para escolher a ordem de entrada em palco, não obstante essa opção poder ser realizada em função das escolhas do adversário ou do computador. Cada equipa tem lutadores com características diversificadas. Tome-se por exemplo a equipa do Japão, sendo que Kyo Kusanagi desenvolve fortes golpes aplicáveis com as mãos, enquanto Benimaru Nikaido privilegia os golpes com os pés.
Pela ordem de escolha e no fim do primeiro “round” o vencedor passa ao combate seguinte, beneficiando ainda de um pequeno bónus traduzível num aumento significativo da barra de vitalidade, pormenor que não raras vezes faz diferença.
Contudo, nem só o sistema de combates por equipa impera como novidade; outros adicionamentos adensam a vitalidade dos combates. Como seja o caso dos golpes enraivecidos, se assim pretendermos denominar. Assim, nos cantos inferiores figuram pequenas barras que carecem de preenchimento ao longo da batalha. Com efeito os botões A, B e C do controlo devem ser premidos simultaneamente até a barra ficar plena. A partir desse instante o lutador adquire tamanha fúria, capaz de proporcionar dano superior no adversário enquanto essa raiva persistir. Trata-se de uma opção destinada a fulminar mais depressa o rival, ou colocar um ponto final no combate, não obstante a necessidade de parcimónia cada vez que se activa esta opção, pois para a activar o lutador fica vulnerável aos golpes do adversário.
Mais: com esta opção activada há ainda a hipótese de desencadear golpes especiais/demolidores susceptíveis de rebentar, só nessa jogada, com mais de ¼ da vida do adversário. São momentos de primorosa e difícil execução – pelas manobras complexas no “joystick” a obrigar muito treino – culminados através de fantásticos efeitos visuais; verdadeiros golpes de xeque-mate.
Mas ainda figuram no cartucho outras opções de monta a executar durante os combates. Uma delas, com notório tom humorístico, é a provocação do adversário – espicaçá-lo, direi! Cada personagem tem o seu jeito. É ver Kyo Kusanagi agitar o dedo indicador negativamente, outros troçam com risos jocosos, podendo até algum deles perder o pudor para assim baixar os calções e mostrar o rabo ao adversário - agitando-o, pasme-se!
Há também opções defensivas, como sejam esquivar aos golpes para realizar contra-ataque ou então remeter o combatente à defesa, resguardando-se dos ataques mais violentos, salvaguardando assim a sua vitalidade. Outra opção radica no afastamento progressivo do rival através da fuga de emergência, realizável pondo a personagem a rolar.
Em conjugação, todos estes aspectos de combate, aliados aos golpes especiais de cada lutador tornam os combates muito “sui generis” e disformes. A imprevisibilidade aguda-se cada vez que o torneio caminha para o seu epílogo e mesmo sem ter em conta a opção dos diversos graus de dificuldade que em MVS é de uma rapidez assustadora. Os adversários defendem e atacam melhor o que obriga o jogador a treinar muito a sua equipa e conhecer de cor todos os golpes. Daí que a falta de uma opção de treino para que o jogador possa executar todos os golpes seja uma falha difícil de suplantar. A aprendizagem faz-se então nos combates, sem tempo de preparação, o que torna a tarefa mais difícil de cumprir em especial a realização dos combos. Contudo, depois da habituação ao controlo de jogo e aceitando perder bastante tempo numa linha de adaptação considerável, colhem-se os primeiros frutos.
Entrar no campo gráfico, significa percorrer uma estética bidimensional colorida, diversificada e pormenorizada. Para um jogo com a idade nos doze anos, é incrível como passado todo este tempo ainda se faz sentir actual, fresco e jovem.
Resulta por isso positivo a escolha de um cenário próprio para cada nacionalidade de lutadores, não olvidando, e muito bem, uma série de pequenos detalhes da vida social e cultural do país em presença. Há objectos deslocáveis, como os papagaios e pequenos chimpazés que percorrem o palco de jogo no Brasil, onde a vegetação verde e densa da Amazónia prevalece como fundo. Na Inglaterra, pássaros atravessam os céus enquanto a guarda da Rainha figura passivamente, rejubilando o público cada vez que há vencedor.
Na Itália, equipa preenchida por carismáticos lutadores de Fatal Fury, há foguetes explodindo no ar, sentam-se em gôndolas, observando, os companheiros de combate dessa série, aspecto que não deixa de ser hilariante.
Por outro lado, enquanto decorrem os combates, os restantes lutadores permanecem no cenário, afastados, como que à espera da sua vez, manifestando-se com satisfação sempre que o seu colega saiu vencedor ou exprimindo pesar cada vez que é derrotado.
A variedade de cores chocantes é imensa, os fundos erguem-se com pormenor e as personagens, personalizadas, míticas e reproduzidas com elevado detalhe, movimentam-se numa simplicidade, graciosidade e rapidez incríveis. É esta vivacidade multicolorida e elevada pormenorização que em articulação com aspectos desenhados de raiz sem preocupação de fervor realista emprestam ao grafismo um forte cunho de animação e labor técnico.
Para a época, tornava-se difícil inaugurar capítulo melhor. Cada ataque especial foi desenhado com rigor e atenção, como o fogo que brota da mão de Kyo cada vez que ergue alto o punho ou os ciclones que Joe Higashi empurra na direcção dos adversários.
A este brilhante corte gráfico, típico da SNK, associa-se uma vertente sonora arcada nas entoações de combate e opções de escolha, bem como músicas convincentes e adaptadas ao cenário em questão. Confesso que tenho pelos temas da Itália, Japão, Brasil e China os meus preferidos. As personagens exprimem vocalmente os seus ataques, reservando para o final algumas exclamações de vitória e consagração. Neste âmbito a variedade impera como é natural.
No final fica a ideia que este KOF 94 impulsionou o desenvolvimento e descoberta de novos caminhos neste formato de jogo. Foi pioneiro em termos bastantes, abrindo alas e despontando uma série para a ribalta e sucesso dos videojogos, sendo que apesar da erosão do tempo não ficou só um ícone, uma peça de colecção ou um esteio firme a visitar no percurso histórico desta indústria; é sobretudo recomendável e incrivelmente viciante, mesmo para os tempos que correm.
fonte:http://ene3.com/archives/016592.html